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A Colômbia de Jesus Zapata – Por Elaine Tavares

Ali estava ele, emoldurado pela beleza da histórica Sucre, na Bolívia. Magrinho, de modos sérios e falar baixo. Mas os olhos eram como ferro cortante. Retinas renitentes, jamais acostumadas com as cenas de dor que o povo da Colômbia vem vivendo desde há décadas. Seu nome também é singular: Jesus Emílio Tuerquia Zapata. Estranha combinação, Jesus – o salvador, e Zapata – o leão do sul mexicano.Talvez por isso seja quase palpável a força que emana do ex-sem terra colombiano, hoje uma das lideranças da comunidade de San Josesito de Apartado, no interior do estado de Antioquia.

Jesus é um dos mais de mil e quinhentos camponeses que foram “desplazados”, ou seja, retirados à força de suas terras pelo exército colombiano, no ano de 1996. Ele conhece bem o cheiro da morte, a ardência da ferida, o barulho intermitente das metralhadoras, dos helicópteros e a truculência dos militares e dos paramilitares. Como ele, milhares de famílias andavam – e ainda andam – pelas veredas do interior do país, buscando um lugar para descansar a cabeça. Sem terra, sem trabalho, sem esperança, acossados pela violência.

Mas Jesus mudou seu destino. Junto com outros companheiros investiu num sonho e fincou pé no lugar que chamaram de San Josesito. Ali têm resistido aos massacres, aos assassinatos, às ameaças, às violações de mulheres, aos incêndios criminosos de casas e escolas, aos bloqueios de comida e bens, tudo provocado pela dobradinha militares/paramilitares. Hoje são 2.500 almas buscando unicamente viver em paz e plantar sua comida. A pequena comunidade que se auto-denomina “Comunidade de Paz” se organiza, governa a si mesma, se protege, estabelece zonas humanitárias, vive a cultura da solidariedade e segue em frente, construindo o tempo de claridão que parece nunca chegar nesta Colômbia tão amada de Bolívar. “O estado é nosso principal inimigo e o que fazemos é apenas sobreviver. Além disso, a guerrilha também, às vezes, se equivoca. Penso que só o povo unido pode mudar a situação da Colômbia ”, diz Jesus.

Um pouco de história

A Colômbia tem cerca de um milhão de metros quadrados e nela vivem 44 milhões de almas. Faz fronteira com a Venezuela, Brasil, Peru, Equador e Panamá, além do Oceano Pacífico e o Mar das Caraíbas. É território originário dos povos Caribe, Arawuak, Chibcha e Muísca, além de outros de menor porte. Foi invadida pelos espanhóis em 1508 e desde então vive a lógica do saque e da destruição. Mas, se violência houve por parte dos conquistadores, lutas também não faltaram. Índios, negros escravizados, brancos pobres, sempre resistiram e lutaram por vida digna e liberdade.

A guerra de independência, por ter sido feita pelos criollos, filhos da aristocracia, acabou não envolvendo o povo em sua maioria, mas ainda assim foi um momento importante para o país e abriu possibilidades de soberania. Por outro lado, por terem vivido a maldição do “guerra a muerte” (na qual o inimigo não pode ficar vivo), remonta desde estes dias o caldo de violência que ainda pode-se ver naquelas terras. Só em 1886, a Colômbia pode viver um curto tempo de paz relativa. O século vinte chega com o país em guerra outra vez e a vida das gentes ora é comandada pelos conservadores, ora por liberais. É neste período, 1903, que o país perde um pedaço, numa das primeiras imposições dos Estados Unidos e, desta parte de si nasce o Panamá, cortado para unir os dois mares e servir aos interesses dos EUA. Também a empresa estadunidense United Fruit ocupa o país, pega as melhores terras, sempre explorando e usando de violência contra o povo camponês. É quando recomeçam os “desplazamientos”, ou seja, a expulsão das gentes de suas terras ancestrais.

A resistência segue seu curso, sempre acossada, e, quando os colombianos começam a acreditar que a vida pode mudar, com a eleição de um homem capaz de entender as demandas populares, o sonho se esfacela de novo em violência. Em 1948, Jorge Gaitán, candidato dos liberais e amado pelo povo, é assassinado, e o terror volta a se instaurar em todas as instâncias da vida. Depois do crime, o país vira um caos. As comunidades formam grupos armados para se defender, seja do exército, das polícias ou dos bandoleiros que aproveitam a confusão para pilhar e destruir. É assim que nasce o grupo que mais tarde viria a ser as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), comandado por Pedro Antônio Marín, el Tirofijo, (que adotou o nome de um antigo revolucionário, Manoel Marulanda). Ele era mais um camponês de uma dessas comunidades assustadas, só que com um viés classista e comunista. A idéia era defender o povo trabalhador e lutar por um país soberano e socialista. Assim como o dele, outros grupos surgiram, sempre buscando se defender da violência institucionalizada. O país voltava aos tempos de “guerra a muerte”.

Esta é a gênese da guerra que até hoje é vivenciada pelo povo da Colômbia. Vieram golpes militares, mais terror de estado, vieram os marines estadunidenses, vieram os narcotraficantes e nada de paz. Os grupos de libertação seguiram organizados e em luta, mas boa parte do povo apenas quer sobreviver, e continua até hoje de um lado para outro, sem poder fixar um lugar de vida. Ora são retirados de suas terras pelos narcotraficantes, ora pelas multinacionais, ora pelos caçadores de esmeraldas, ora pelos grupos paramilitares, ora pelo próprio estado colombiano. É quase uma rotina de sofrimento, violações e mortes.

O poder da mídia e a luta popular

Toda esta história é muito pouco conhecida. Os meios de comunicação preferem se perder em factóides, mais desinformando as gentes do que apresentando as várias faces dos fatos. Agora, por ocasião da libertação de duas reféns das FARC, o país voltou ao foco, mas como sempre, distorcido. Os guerrilheiros aparecem como monstros seqüestradores, enquanto o estado colombiano que também seqüestra, desaloja e mata, não é questionado. Álvaro Uribe, jovem advogado que se especializou nos EUA (que surpresa!), é quem faz o turno de presidente de plantão. Prega a paz, mas nada faz por ela, seguindo o rastro de dor e destruição aberto por seus antecessores. Seguem os massacres, a violência contra o povo e as ações dos paramilitares. Há poucas semanas Uribe, aproveitando os holofotes da mídia mundial, conclamou o povo a sair às ruas contra as FARC, e lá se foram milhões de colombianos com suas bandeiras brancas. Muito mais em busca da sonhada paz. Estão fartos de guerra.

Agora, no dia 6 de março, mais uma marcha está sendo chamada. Desta vez pelos movimentos sociais, pelos sindicatos, pelas gentes em luta. Um povo marcado, porque, na Colômbia, alçar-se em luta pelos mínimos direitos é uma subversão de primeira grandeza. Não é à toa que proliferam os assassinatos, as desaparições, as prisões políticas. Mais de um milhão e meio de pessoas já saiu do país nos últimos anos, fugindo da violência do estado e da guerra sem fim. Mas, ainda assim, há os que ousam ficar e clamar. Estes sairão pelas ruas no dia seis. Não apenas em defesa das FARC, como diz a mídia cortesã, mas na defesa da vida, do direito de ser soberano, de encontrar um pedaço de chão, de ficar em paz. Eles sabem, porque conhecem sua história, que as FARC não são uma excrescência, mas parte de um contexto histórico doloroso, do qual os algozes alienígenas são sempre omitidos.

Para os promotores desta marcha – que certamente não será chamada pela mídia, 24 horas seguidas, como foi a de Uribe – não haverá muitas surpresas. “Não teremos milhões nas ruas. O povo tem muito medo. E tampouco os jornais e as televisões vão conclamar a participação. Vai ser uma marcha de poucos”. Por outro lado, fica lá no fundo uma esperança. De que as gentes se levantem. Que busquem coragem e caminhem. Afinal, esta também será uma marcha pela paz. Ninguém em sã consciência quer que esta “guerra a muerte” continue.

Os males da Colômbia não se esgotam na existência ou não das FARC como quer fazer crer o presidente da nação. O povo sente na pele as ações do Plano Patriota, um combate estatal coordenado pelos Estados Unidos para pôr fim à guerrilha. Sente ainda a ação das máfias e dos paramilitares que seguem desalojando famílias para engordar as propriedades dos latifundiários e sente igualmente os efeitos do Tratado de Livre Comércio, também fechado com os Estados Unidos, que deixa o país cada dia mais dependente e despido de sua soberania.

A terra de Jesus Zapata – aquele que na sua San Josesito tenta inventar um novo jeito de viver no mundo – ainda tem muito que caminhar para ser livre e soberana. Talvez agora, no dia 6 de março, estas gentes lindas que sempre lutam, cara a bater, possam dar mais um passo e seguir, tal qual a história do caracol japonês… “devagar, devagar, subindo o Monte Fuji”…

Mais informações sobre a comunidade de San José de Apartado na página: http://cdpsanjose.org

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