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22/02/2011
“Não preciso do Conselho Universitário para cumprir a lei”, disse o Reitor
Dr. Valcionir Corrêa
Laboratório de Sociologia do Trabalho
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Na tarde do dia 28 de outubro do ano passado, no Auditório do CFH, ocorreu a reunião do Reitor Álvaro Prata com os técnico-administrativos e Direção do CFH para debaterem a instalação do relógio de ponto biométrico que o Reitor quer impor para controle da assiduidade e pontualidade dos técnico-administrativos da UFSC.
A justificativa do Reitor para a instalação do controle de ponto é a de que há casos de não cumprimento da jornada de trabalho na UFSC e, que, principalmente, segundo suas próprias palavras, vivemos em um Estado de Direito e devemos cumprir com a lei.
A preocupação legalista do Reitor se refere ao cumprimento de dois decretos, o Decreto nº 1.590, de 10/08/1995, e do Decreto nº 1.867, de 17/04/1996. Ambos os decretos foram assinados pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo Luiz Carlos Bresser Pereira, na época, Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado. Bresser Pereira ficou conhecidíssimo na ocasião na sua função de coordenador da reforma do Estado baseada nos princípios do pragmatismo neoliberal para implantar o Estado Mínimo para o povo e o Estado Máximo para o empresariado brasileiro e para o capital internacional.
Desrespeitando a Constituição Federal, impuseram leis e reformas administrativas autoritárias no Estado brasileiro, e o período desse governo foi o mais duro contra as instituições públicas. O entreguista FHC e seus ministros transferiram volumosas riquezas da nação por meio das privatizações das empresas estatais e promoveram um ataque feroz contra a autonomia universitária conquistada na Constituição Federal de 1988. Naquele contexto de reformas neoliberais, que se inserem os decretos que o Reitor quer cumpri-los, sem qualquer reflexão crítica, e eles mesmos são decretos inconstitucionais. Qualquer ação de inconstitucionalidade derrubaria estes decretos por desrespeito ao Artigo 207 da Constituição Federal que concede autonomia de gestão às universidades.
Desde que esses decretos foram instituídos, há 15 anos, desconhece-se qualquer universidade que tenha cumprido com eles, mesmo porque ambos ferem a autonomia universitária conquistada pelo movimento dos trabalhadores da educação no contexto da redemocratização do país. O período de FHC ficou marcado pela intolerância a qualquer iniciativa que se impusesse e dificultasse seu projeto de implantação do neoliberalismo no Brasil. As suas ações contra as instituições públicas eram evidentes e dentre elas o congelamento de investimento para as universidades federais.
O governo de FHC, submisso à orientação do Banco Mundial e do FMI por meio da máxima que determinava o fim do déficit primário, que se traduz na diminuição dos investimentos do Estado em políticas públicas para a educação, saúde e previdência social. Com esse fundamento, as Universidades não recebiam suficientemente recursos financeiros, e o governo as proibiam de fazerem novas contratações e reposição do quadro de professores e técnico-administrativos, no lugar daqueles se aposentavam. Naquela época, os funcionários públicos, com exceção daqueles que pertenciam à carreira burocrática e estratégica do Estado, ficaram 10 anos praticamente com os seus salários congelados.
A lei que o Reitor Prata quer obedecer são estes decretos que são inferiores à Carta Magna do país. De acordo com o Art. 207 da Constituição Federal, as universidades brasileiras gozam de autonomia de gestão universitária.
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Nessa autonomia está explícita, de forma clara, a autonomia administrativa, bem como a de didático-científica, financeira e patrimonial por parte das universidades, pois elas são autarquias de regime especial. Reafirmando essa autonomia, ao mesmo tempo que a regulamenta, a Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, popularmente conhecida como a LDB, diz em seu art. 54 o seguinte:
Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público,[…]
E continua no seu §1º, inciso II, dizendo que no exercício de sua autonomia, as universidades públicas poderão “elaborar o regulamento de seu pessoal”.
Então, é claro e evidente de que a UFSC e demais universidades gozam de autonomia para tratar de sua própria organização acadêmica de acordo com a legislação em vigor. Assim, o Reitor, se quisesse exercer a autonomia de gestão da UFSC, de acordo com a legislação federal, teria autonomia para encaminhar a discussão dos problemas do funcionamento institucional, escolhendo a forma autoritária, autocrática ou democrática para tomar decisões. Se optasse, por esta última, ou seja, a forma democrática, ele poderia envolver o quadro de funcionários técnico-administrativos e docentes, bem como os estudantes no processo decisório sobre questões de gestão administrativas e políticas de ensino, pesquisa e de extensão universitária. Infelizmente, não foi essa a alternativa escolhida.
Inclusive, a Universidade, de acordo com o seu próprio Estatuto de 1960, atualizado pelas legislações federais posteriores, reproduz o artigo 207 da Constituição Federal no seu artigo 2º que reza o seguinte e destaca, logo no seu início, a autonomia administrativa:
Art. 2º – A Universidade, com autonomia administrativa, didático-científica e de gestão financeira e disciplinar, reger-se-á pela legislação federal que lhe for pertinente, pelo presente Estatuto, pelo Regimento Geral, pelos regimentos dos órgãos da administração superior e das unidades universitárias e pela resolução de seus órgãos.
Esclarecendo de que não paira nenhuma dúvida no que diz respeito à autonomia universitária, inclusive disciplinar, como diz o Estatuto da UFSC, aprovado pelo presidente da República, como autarquia de regime especial, que goza ainda mais de autonomia em relação às autarquias comuns, cabe-me agora esclarecer, de como deverá ser exercida esta autonomia:
O inciso VI do Art. 205 da Constituição Federal de 1988 obriga a gestão democrática do ensino público.
“Inciso VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;”
O Reitor deveria saber que a gestão democrática, além de se pautar em muitos princípios, se sustenta, principalmente, em princípios de igualdade e universalidade de participação e de tratamento isonômico, o que não se percebe neste ato administrativo da Reitoria, quando impõe o controle de relógio de ponto a uma parcela dos funcionários da instituição, o qual não os consultou e tão pouco incluiu a decisão em fóruns deliberativos maiores da Universidade que se compõe de representação política dos segmentos universitários. Destaca-se, aqui, que a decisão de implantação do controle biométrico dos técnico-administrativos não passou por deliberação do Conselho Universitário. Segundo as suas próprias palavras: “Não preciso do Conselho Universitário para cumprir com a lei”, disse o Reitor na ocasião em que esteve presente na reunião do CFH.
Agindo dessa forma, talvez o Reitor se autodenomine como o melhor intérprete das leis, pois passa até por cima do egrégio Conselho Universitário e do Conselho de Curadores. Este último, como se trata de um montante considerável de gasto de dinheiro público, seria de bom senso a consulta também a esse conselho para saber bem como aplicar o dinheiro público. Não sei se isso ocorreu.
Na UFSC, a tecnologia do terror autocrático adquire a forma de um sistema de controle autocrático por parte da reitoria sobre o trabalho dos técnico-administrativos. Esse sistema biométrico de controle foi adquirido no final do ano de 2009 com o objetivo de controlar a assiduidade e pontualidade dos técnico-administrativos. O mecanismo de controle adquirido constitui-se de três aparatos: um conjunto de 103 relógios de ponto distribuídos nos campi universitários que custou o valor de R$ 300.000,00; outro, de um software no valor de R$ 28.900,00, e de, um terceiro, com cinco identificadores biométricos (impressão digital) no valor de R$ 6.000,00. O custo total do sistema de controle consumiu o valor de R$ 334.900,00 dos cofres públicos (Fonte: www.comprasnet.gov.br – Pregão nº 3662009). Com esse dinheiro da sociedade daria para comprar 8.372 livros, com a média de preço unitário de R$ 40,00, que poderia enriquecer o acervo da Biblioteca Universitária, uma vez que a falta de livros disponíveis é evidente. (parágrafo extraído do artigo “A tecnologia do terror autocrático: “a culpa é do sistema!”, de minha autoria)
Repetindo, a gestão democrática implica em princípios de igualdade, em tratamento isonômico e, acima de tudo, deveria oportunizar um ambiente propício para que sensibilizasse permanentemente a maioria dos envolvidos na instituição para participar do processo de discussão das políticas de gestão da UFSC, no que diz respeito à forma de administrá-la e gerir bem os recursos financeiros a ela destinados, bem como no estabelecimento das políticas de ensino, de pesquisa e extensão universitária. A não consulta aos técnico-administrativos, principais responsáveis pela administração técnica da universidade, e nem aos conselhos de unidade acadêmica e do conselho superior da instituição, representa uma forma que não condiz com uma instituição universitária pública, democrática e com excelência acadêmica que é resultante dos esforços empreendidos por todo o quadro funcional e estudantil desta universidade.
Inclusive no Art. 3º do Estatuto da UFSC, adota como Missão Institucional, a missão aprovada pela Assembléia Estatuinte, de 04 de junho de 1993, enaltecendo os saberes, a reflexão crítica para a construção de uma sociedade justa e democrática:
Art. 3º A Universidade tem por finalidade produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, científico, artístico e tecnológico, ampliando e aprofundando a formação do ser humano para o exercício profissional, a reflexão crítica, solidariedade nacional e internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática e na defesa da qualidade de vida.
Como podemos perceber no próprio Estatuto da UFSC, há O PRINCÍPIO DE UMA SOCIEDADE JUSTA E DEMOCRÁTICA. Para atingir essa missão, avalio que seja necessário exercitá-la no cotidiano acadêmico da universidade. Entendo que numa academia, o exercício da autonomia e da gestão democrática deveria ser uma prioridade institucional, pois é com esses princípios que se faz a educação política e social necessária na construção de uma sociedade justa, igualitária e democrática, princípios necessários para a produção do conhecimento em um ambiente de liberdade para a busca da emancipação social.
Repetindo, se percebe nas legislações federais a autonomia explícita das Universidades Federais. Portanto, para conhecimento do Reitor, esta autonomia não nos foi entregue de bandeja, ela decorre de muitas lutas, não tanto dos reitores, mas dos trabalhadores da educação de todo o Brasil comprometidos com uma educação democrática, crítica e emancipatória organizados na FASUBRA e na ANDES, e do movimento estudantil, organizado na UNE, e vários segmentos da sociedade civil organizada, que reivindicavam a autonomia e gestão democrática das universidades. Muitas lutas foram realizadas para conquistarmos essa autonomia na Constituição Federal e de sua consolidação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Portanto, não é demais reivindicarmos à atual Reitoria o zelo por esta autonomia.
Fiquei sabendo que o Reitor, inicialmente, para implantar o controle de assiduidade e pontualidade por meio da tecnologia do terror do Relógio Ponto Biométrico tem pautado sua justificativa em um Relatório da CGU (Controladoria Geral da União). Esse relatório apenas comenta o seguinte:
Saliente-se a fragilidade nos mecanismos de controle de freqüência adotados até então pela Instituição que colaboram para a ocorrência das irregularidades investigadas. Durante a realização dos presentes exames, verificamos que há, na Unidade Auditada, um processo de implementação de controle eletrônico de ponto, cuja previsão legal remonta aos Decretos 1.590/95 e 1.867/96, em suas unidades acadêmicas.
Diz o relatório, que os mecanismos de controle de freqüência são frágeis, pois não impedem a ocorrência de irregularidades que foram investigadas. Corre no campus, que se trata de um investigado, portanto, não foram todos os técnico-administrativos da UFSC. Com a imposição do relógio de ponto, o Reitor com o Departamento de Gestão de Pessoa adota a exceção tornando-a regra geral, ao considerar que todos os técnico-administrativos são irresponsáveis.
Continua o relatório recomendando à UFSC, o seguinte:
Desse modo, a Unidade ficaria apta a obter um aprimoramento de gestão no tocante à área de recursos humanos da UFSC e poderia, com mais qualidade, fomentar e regular cumprimento da jornada de trabalho de seus servidores em exercício no cargo.
Portanto, o recomendado pela CGU é um aprimoramento de gestão de recursos humanos com mais qualidade, regulando o cumprimento da jornada de trabalho dos funcionários em exercício no cargo.
O Artigo 6º do Decreto 1590, de 10/08/1995, reza o seguinte:
Artigo 6º O controle de assiduidade e pontualidade poderá ser exercido mediante:
I – controle mecânico;
II – controle eletrônico;
III – folha de ponto.
Se o Reitor mesmo quer cumprir com esses decretos inconstitucionais, o Decreto 1.590, de 10 de agosto de 1995, também dá autonomia para o dirigente institucional estabelecer jornadas de trabalho flexíveis e menores, como se observa no Artigo 3º deste mesmo Decreto:
Art. 3º Quando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se neste caso, dispensar o intervalo de refeições.
O seu Parágrafo 2º diz o seguinte:
Os dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flebilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande circulação de usuários de serviços, de quadro, permanente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes.
Como se vê, as 30 horas reivindicadas pelo Sintufsc poderiam ser estabelecidas pelo Reitor se fosse sua vontade e teria o respaldo da mesma lei que ele quer cumprir. A UFSC trabalha em jornadas ininterruptas, bem como seria oportunizado o atendimento ininterrupto de 12 horas para atender ao público.
Diante do exposto, como conclusão, de duas, uma, ou o Reitor e seus assessores não souberam interpretar as leis ou tentam incorporar na UFSC um modelo de gestão universitária tendo como parâmetro o funcionamento de uma empresa privada, para o qual tentam respaldo com a falácia de cumprimento da lei sem possuírem a necessária sustentação jurídica.
Por último, a maioria dos colegas técnico-administrativos deveria reavaliar seu apoio à atual reitoria, uma vez que, majoritariamente, votaram no Reitor Prata nas últimas eleições (o que não foi o meu caso). Portanto, a maioria dos funcionários tem o dever moral de fazer uma autoavaliação, tendo como base estas duas situações: se preferem ser servis sob o açoite (relógio ponto) do senhor ou se indignarem com esse desrespeito e exigirem a valorização e o reconhecimento profissional enquanto indivíduos e sujeitos da ação do processo educacional da UFSC. Posto desta forma, reaparece nova ocasião para fazerem isto, neste ano, ocorrerão eleições para Reitor, surgindo, assim, nova oportunidade para debater e se posicionarem contrariamente ao continuísmo político e acadêmico vigentes na UFSC desde sua criação.
Florianópolis, fevereiro de 2011.