Na terça-feira passada, dia 31 de agosto, o deputado Arthur Maia (DEM-BA), relator na Câmara dos Deputados da PEC-32/2020, também conhecida como “Reforma Administrativa”, apresentou seu relatório, modificando bastante o texto original da PEC, apresentada pelo governo Jair Bolsonaro.
Foi preocupante o clima de euforia observado entre a categoria logo após a apresentação deste relatório. Sem nem haver tempo para uma leitura calma do relatório, diversas fontes comemoraram a “manutenção da estabilidade de todos os servidores”, como se essa pauta já tivesse sido ganha pela categoria.
Devemos colocar as rolhas de volta nas garrafas de champanhe (ou rosquear de volta as tampinhas de água com gás, que é o que dá pra comprar com nossos corroídos salários). Primeiro porque o relatório de Arthur Maia é apenas isso, um relatório. Ainda tem que ser votado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, e nos plenários da Câmara e do Senado, podendo sofrer modificações em qualquer um desses espaços ainda.
Além disso, porque o relatório de Arthur Maia mantém na Reforma Administrativa uma série de perdas para a nossa categoria, e mesmo risco para a estabilidade, ao contrário do que disseram as animadas análises iniciais.
A proposta deste texto não é fazer uma comparação pormenorizada de todas as alterações realizadas pelo relator no texto original da PEC, mas tecer algumas linhas gerais para fomentar as análises críticas.
A primeira questão a pensar é que a maior intervenção do relator não foi em questões diretamente relevantes aos direitos da nossa categoria, e sim nos dispositivos que davam ao presidente da república uma série de poderes descabidos. Apenas para citar o exemplo principal, o texto da PEC apresentado pelo governo dava ao presidente a possibilidade de transformar cargos públicos efetivos vagos em cargos comissionados. Obviamente, isso daria ao presidente poder de “distribuir cargos de confiança” como moeda política, ao mesmo tempo em que geraria carência de cargos efetivos. Sem exageros, seria carta branca para ainda mais aparelhamento do Estado ao governo Bolsonaro.
Novamente, a maior parte das alterações foi no sentido de, como no exemplo acima, tirar poderes desmedidos do presidente da república. Naturalmente, ao fazer isso, o Congresso também se fortalece perante o presidente, o que, em tese, representa barrar um retrocesso à democracia.
Mas, na prática, esses assuntos estão ligados mais à disputa de poder entre Congresso e Presidente, e menos às questões de interesse da categoria. Sobre isso, o texto do relator Arthur Maia preserva uma série de retrocessos do texto original e, ainda mais, os piora, embora o faça utilizando uma linguagem que engana os desavisados.
Por exemplo, em tese, o relatório preserva o concurso público como regra para contratação nos órgãos públicos. Mas ao mesmo tempo abre a possibilidade de integral terceirização da maior parte dos serviços públicos, que poderão ser prestados por entes privados e ONGs. Permite inclusive que esses agentes terceirizados utilizem a estrutura física pública. Vejam que bonito, está dado o convite para que o privado venha realizar as funções públicas, lucrando em cima, e utilizando a estrutura pública custeada com nossos impostos. Qualquer semelhança com a EBSERH não é coincidência, e precisamos apenas olhar para nosso HU para saber o resultado das promessas de que nem os serviços nem os servidores serão afetados por esse tipo de política.
Ainda, o relatório prevê que a administração pública poderá contratar trabalhadores em vínculo precário, sem concurso, “para atender à necessidade temporária”. Qual a proposta de duração desse vínculo temporário? Dez anos! Aqui é exemplo claro, se utiliza de uma linguagem “bonitinha” para se precarizar na cara dura. É claro que veremos casos de contratações temporárias infinitas. Passam-se dez anos, faz-se outra contratação temporária, sem concurso, e assim o barco vai sendo tocado. Pior, o texto do relator prevê que os cargos para os quais se aplica essa contratação temporária serão definidos posteriormente por lei ordinária. Aqui precisamos acusar o golpe: lei ordinária precisa de quórum muito menor que uma PEC!
O que vai acontecer, se o texto da PEC for aprovado assim, é que o Congresso terá muito mais facilidade para definir que cargos se sujeitarão a tal precarização, e tentará pulverizar a mobilização dos servidores, tentando negociar com esta ou aquela categoria a não-sujeição a essa política.
Finalmente, apenas para citar o último maior problema do relatório de Arthur Maia, a avaliação de desempenho passa a ensejar a demissão do servidor público. A princípio, em tese, não há problemas: um servidor que não cumpre suas funções de forma adequada não deve permanecer na administração pública. Mas na prática, e a UFSC é exemplo concreto disso, é muito simples se utilizar de arbítrios na avaliação de desempenho para motivar perseguições pessoais ou políticas. A avaliação de desempenho, se implementada sem as devidas proteções legais aos servidores, vira instrumento de assédio institucional e de coerção, possibilitando que chefias pressionem servidores a exercerem atividades incompatíveis com os princípios da administração pública. É, na prática, a precarização da estabilidade do servidor, supostamente preservada pelo relatório.
Apenas os elementos trazidos acima (e há muitos outros que devemos problematizar) são o suficiente para entendermos que não há avanços para o serviço público no relatório de Arthur Maia. Há sim precarização dos serviços e das funções públicas. Há instrumentalização de ferramentas já utilizadas, inclusive na UFSC, para assediar trabalhadores. Há o atendimento a interesses do grande empresariado, que já saliva com a possibilidade de exercer, de forma terceirizada, e com utilização dos prédios públicos, funções privativas de servidores.
Por isso, não devemos de forma alguma diminuir nossa mobilização contra a PEC 32. Ela continua sendo extremamente danosa para os serviços públicos que utilizamos e para nós enquanto servidores públicos. A luta contra a Reforma Administrativa é a luta não apenas dos servidores, mas de todos os trabalhadores brasileiros que dependem dos serviços públicos. Sigamos vigilantes e articulados, e não aceitemos essa ilusão de reforma “menos danosa” apresentada por Arthur Maia.
Contra a PEC 32!
Não à Reforma Administrativa!
Juntos somos mais fortes!