Os Técnicos-Administrativos em Educação (TAEs/UFSC) e os trabalhadores terceirizados que atuam no Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC/EBSERH) passam pelo momento mais dramático de sua história. A pandemia causada pela Covid-19 mudou a rotina de trabalho e trouxe medo, incertezas, descaso, adoecimento e revelou o processo de precarização do HU, que se aprofundou com a entrada da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que agora o administra (EBSERH). Esse contexto revela que ainda há muita luta a ser feita para que aqueles que estão na linha de frente do combate à pandemia tenham a valorização e o respeito que merecem.
Desde a fundação do HU-UFSC (18 de dezembro de 1960) o corpo de servidores absorveu a filosofia do paciente em primeiro lugar. Após 1990 o atendimento passou a ser feito exclusivamente via SUS, ampliando seu compromisso com a sociedade, observando que a saúde é um direito de todos (Constituição da República Federativa do Brasil — Art. 196). O HU é tido como uma referência no Estado de Santa Catarina e funciona como um hospital escola, atende pacientes que vêm de várias cidades do interior e também da capital. Ali, professores e estudantes colocam a ciência e o conhecimento produzido na Universidade a serviço da população e da comunidade acadêmica. Mas, devido aos interesses privados, que encaram a saúde como uma mercadoria, os Hospitais Universitários e as Universidades Públicas têm sofrido um processo de precarização ao longo do tempo.
Durante muito tempo o HU viveu o embate entre o público e o privado, buscando parcerias com fundações privadas ligadas à UFSC. Em 2011, para legalizar essas parcerias — que já eram denunciadas pelos sindicatos — o governo Lula encaminhou a Lei 12550, de 15 de dezembro, criando a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Desde então, a EBSERH passou a administrar hospitais vinculados às Universidades Federais brasileiras como empresas que visam o lucro. Desta forma, abriu as portas para uma maior precarização das relações de trabalho e do atendimento à população.

Em dezembro de 2015, o Conselho da Universidade Federal de Santa Catarina (CUN-UFSC) aprovou a adesão do Hospital Universitário (HU) à EBSERH, apesar de 70,59% da comunidade acadêmica ter votado contra a decisão. Foi uma votação vergonhosa, conduzida pela então reitora Roselane Neckel, realizada dentro da sede da Polícia Militar, para evitar os protestos. A promessa era contratar profissionais, reabrir leitos fechados e ampliar o número de consultas médicas. Não foi o que aconteceu. No decorrer dos últimos anos, o que se tem presenciado no HU-UFSC são graves problemas estruturais, com falta de trabalhadores e, consequentemente, com um atendimento precarizado, que foi agravado com a pandemia causada pela Covid-19.
O Brasil é o segundo país no mundo em número de casos e óbitos causados pela COVID-19, e o primeiro quando se trata de óbitos entre profissionais de saúde, o que demonstra uma total omissão dos governantes em propor políticas públicas consistentes para o enfrentamento adequado desta situação. O atual governo, assim como seus aliados, nega a ciência, tem aversão a políticas sociais e desvaloriza a educação crítica e emancipadora. Além disso, promove o enriquecimento de banqueiros e grandes empresários por meio da constante precarização das relações de trabalho e exploração cada vez maior da classe trabalhadora, deixando toda população à sua própria sorte.
Trabalhadores do HU entre o medo e a esperança
Nesse contexto, os TAEs/UFSC e os trabalhadores terceirizados têm feito um trabalho no HU durante a pandemia que muitas vezes ultrapassa os limites suportáveis para qualquer ser humano. “Estamos habituados a trabalhar com doenças infectocontagiosas, porém, quando surge um vírus ou uma bactéria nova e ainda altamente letal, sempre gera apreensão. Tivemos que nos atualizar num curto espaço de tempo, corríamos contra o tempo”, relata a Técnica de Enfermagem, Vanessa de Oliveira.
Vanessa comenta que vinha acompanhando as notícias sobre a Covid-19 desde dezembro de 2019 através das notícias vindas da China e da Itália, lugares mais afetados naquele momento.

“Eu me questionava, o que iria acontecer quando [o vírus] chegasse ao Brasil? Se o hospital onde trabalho — por ser um Hospital Universitário Federal — estivesse à frente, estaria preparado? Pensei que iríamos ser exemplo, o Hospital modelo para os demais hospitais aqui da nossa cidade, fiquei confiante. Porém, isso infelizmente não aconteceu”
A má organização da direção do HU acarretou em falta de insumos que impedia os TAEs/UFSC-HU e os trabalhadores terceirizados de se protegerem e consequentemente aos seus familiares e pacientes. Relatos mostram que houve dificuldade de ter acesso até a uma simples máscara cirúrgica. Os testes para os profissionais da enfermagem também foram dificultados, o que agravou ainda mais a situação. Em função disso, a direção do Sindicato atuou imediatamente, questionando a direção do hospital e exigindo providências.
No dia 27/07/2020, o SINTUFSC organizou uma Audiência Pública e, nela, os representantes da administração do HU disseram que “que não era viável realizar testes PCR para todos os funcionários”. Os próprios trabalhadores tiveram que encontrar uma solução, individualmente. Aqueles que apresentaram sintomas da Covid-19, recorreram à UPA mais próxima de sua residência para terem o afastamento do trabalho via atestado médico com notificação à vigilância epidemiológica para realizarem o teste PCR.
Marco Antônio de Pádua Borges é Auxiliar de Saúde, atua a 18 anos seguidos no Centro Cirúrgico do HUUFSC. Ele relata que no início da pandemia, até montarem o sistema de triagem que conhecemos atualmente no setor de emergência do HU-UFSC, colegas que apresentaram alguns sintomas análogos à Covid-19, ficaram separados dos demais pacientes por um biombo de pano. Marco ressalta que a administração foi aos poucos implantando uma triagem que realmente acompanhasse a infeliz realidade desta pandemia, assim como outras unidades de saúde pelo país. Mas, demorou.

Renata Brocker, exerce chefia na Unidade de Apoio Corporativo, a qual é responsável pela assessoria à Superintendente do hospital. Ela relata que neste período a rotina ficou mais intensa, tendo em vista o aumento no quantitativo de demandas administrativas para atender às diversas áreas que necessitam de aprovação dos processos. “Durante a pandemia não realizei trabalho remoto em nenhum momento. A relação com os trabalhadores da UFSC foi mais intensificada por meio do contato via whatsapp, SPA e email”, relata.
Na área administrativa, Renata comenta que foi alterado o local do ponto eletrônico dos trabalhadores para garantir o distanciamento físico. “Para área administrativa, o HU UFSC fornece máscara cirúrgica, álcool em gel e é realizada a aferição da temperatura de todos trabalhadores, na porta de entrada do hospital. As reuniões ocorrem quase na totalidade por videoconferência. A área assistencial segue os protocolos estabelecidos pela instituição”.
Mesmo assim, Renata aponta como preocupante o número de trabalhadores que se afastam por apresentarem sintomas relacionados à Covid-19, o que diminui a força de trabalho.
“A preocupação é com a saúde dos trabalhadores, não somente física, mas também, emocional”
Como foi mencionado, a falta de profissionais já vem desde antes com esse processo de precarização do HU, mas que agora durante esse período de pandemia se tornou ainda mais grave.
Falta de profissionais agravou a rotina de trabalho durante a pandemia
O fato de trabalharem com poucos profissionais e ainda enfrentarem pressão psicológica frente ao desconhecido fez com que muitos trabalhadores do HU fossem afastados, pela contaminação e também para acompanhamento psicológico. “Em termos de segurança do trabalhador junto ao paciente e usuários do SUS internado, os setores trabalham com a corda esticada, ou seja, não há profissionais de nível médio em enfermagem suficientes para cobrir as ausências na escala de serviço”, afirma Marco de Pádua.
Uma trabalhadora terceirizada entrevistada pela reportagem, que não quis ser identificada por medo de retaliação da empresa EBSERH, respondeu que está exausta e tendo que trabalhar por três, quatro e até cinco trabalhadores no setor em que atua. Ela comentou que a empresa não abre hora extra o que poderia cobrir minimamente o vácuo deixado pela falta de profissionais. Questionada sobre quais eram suas principais preocupações, ela respondeu que é não dar conta da demanda de trabalho e se contaminar devido às condições de trabalho.
Até 17/12/2020 o HU/UFSC conta com 989 trabalhadores pelo Regime Jurídico Único (trabalhadores públicos concursados), mais 571 trabalhadores contratados pela EBSERH como efetivos e 155 através do processo emergencial. Totalizando 1715 trabalhadores. Em 2017, segundo a direção do HU, o ideal seria 2.065 profissionais. Considerando o período anterior à pandemia, os dados revelam o quanto é insuficiente o número de profissionais.
Isso demonstra que a luta pela contratação de novos profissionais e melhores condições de trabalho no HU e na Universidade é urgente. Nesse sentido, a direção do SINTUFSC tem atuado junto aos trabalhadores do HU e dos outros setores da Universidade procurando acumular forças de mobilização para exigir da direção a valorização e o respeito que os trabalhadores merecem.

“A mensagem que deixo aqui como TAES/ UFSC , servidora do hospital Universitário é que primeiramente gostaria de agradecer a esta oportunidade. Agradecer ao SINTUFSC por ter nos acompanhado em todo esse processo. Dizer que tivemos que unir muitas forças para enfrentar todas as dificuldades. Passado já quase um ano desse processo de pandemia, sou grata por poder estar aqui com saúde relatando a minha trajetória e a de todos os demais servidores. Obrigada!”
Vanessa de Oliveira, técnica em enfermagem.
“O HU não é mais livre, uma escola onde se aprendia e se ensinava. Não tenho vontade de ir trabalhar no mesmo lugar onde tanto orgulho tinha por ser diferente, onde se tinha comunicação”.
Maria Ivone Casani, auxiliar de enfermagem.
“O Serviço Público em Saúde na década de 1980, havia um sentimento de orgulho em ser servidor público, mas hoje após tantas mazelas ocorridas, ser servidor público perante a sociedade é um misto de suspeição, frustração e incertezas.”
Marco Antônio de Pádua Borges, auxiliar de saúde, atua a 18 anos seguidos no Centro Cirúrgico do HU-UFSC.
“Precisamos nos manter esperançosos e unidos, estamos passando por uma fase difícil, mas vamos superar. As áreas administrativa e assistencial exercem papéis distintos, mas que se complementam, pois um depende do outro, para atingir a meta de atender a população da melhor forma possível”.
Renata Brocker, exerce chefia na Unidade de Apoio Corporativo, a qual é responsável pela assessoria à Superintendente do hospital.
“A mensagem que expressa o que a gente sente enquanto funcionário é de abandono. É um sentimento muito triste. Mas a gente segue de pé apesar da p ressão psicológica e do medo de trazer a doença pra casa”.
Trabalhadora contratada pela EBSERH (a fonte pediu para não ser identificada por medo de uma possível retaliação).
A luta precisa ser por melhores condições de trabalho e valorização
Com a pandemia do coronavírus “espremendo” o que ainda restou dos profissionais de saúde lotados no HU da UFSC, o SINTUFSC começou a receber inúmeras denúncias relacionadas às condições precárias de trabalho, desde o mês de março. A partir daí, o Sindicato iniciou um movimento para tentar proteger os trabalhadores do HU do descaso ao qual estavam sendo submetidos, seja pela EBSERH, seja pela Reitoria da UFSC. Mais de 30 ações individuais foram impetradas na justiça, ofícios foram encaminhados, EPIs foram doados pelo sindicato aos profissionais do HU, reuniões realizadas e apelos no Conselho Universitário foram feitos por vários conselheiros TAEs, mas o objetivo almejado ainda não foi atingido, pois tanto EBSERH quanto Reitoria continuam sendo omissos com os trabalhadores do HU.
A diretoria do SINTUSFC considera isso um insulto à categoria, e principalmente aos profissionais que estão na linha de frente no enfrentamento da pandemia. Por isso, está atenta ao crescimento do número de trabalhadores afastados do HU para tratamento de saúde, além de inúmeros relatos de trabalhadores que continuam no local de trabalho mesmo doentes.
Nesse período de pandemia os profissionais de saúde estão realizando suas atividades com alto nível de estresse, não bastando essa ameaça diária da Covid-19 que os coloca, junto com seus familiares, numa situação mais delicada, o que tem refletido diretamente na saúde dos trabalhadores, agravando ainda mais sua saúde física e mental.
Por isso, a diretoria do SINTUFSC se solidariza com os trabalhadores e afirma que continuará a cobrar insistentemente da EBSERH e da Administração Central da UFSC as ações necessárias para acabar de vez com todo o desamparo pelo qual estão passando os trabalhadores do HU que estão na linha de frente do enfrentamento à pandemia, e por quanto tempo for necessário. Mas, como historicamente se sabe, apenas a luta coletiva e organizada muda a vida. É preciso estar preparado para as batalhas.
Convidamos a todos os trabalhadores, principalmente do hospital, a ficarem atentos aos chamados do sindicado. Precisamos de todos, para juntos pensarmos em saídas coletivas e agirmos para pressionar politicamente a direção da EBSERH e a reitoria por melhores condições de trabalho no HU. Essa é uma luta de todos nós!
Créditos
Coord. de comunicação SINTUSFC: Karine Albrescht Kerr e Renato Ramos Milis
Reportagem: Rubens Lopes
Ilustrações: Ariely Suptitz
Revisão: Ana Sophia Sovernigo

