Em tempos de desmonte do serviço público, sob a ameaça de aprovação do projeto de Reforma Administrativa enviada pelo Governo Federal, cumpre à sociedade civil organizada a tarefa de resistir.
Não obstante, é preciso lidar com o que já vem sendo feito há mais tempo e que resulta claramente na precarização das relações entre os servidores e a Administração Pública, o arrocho salarial, teto de gastos, reforma da Previdência, crise econômica, pandemia, só para citar alguns.
Neste “caldo” da sistemática retirada de direitos, as relações interpessoais também produzem mazelas à subjetividade, gerando maior tensão e adoecimento por meio de conflitos no ambiente de trabalho. Sofre o servidor, o serviço público, a sociedade em última análise a destinatária da atividade pública.
Sobressai, então, a figura do Assédio Moral como a exteriorização de todo este contexto. Relações entre servidores em desarmonia, baseadas muitas vezes em condições de poder, que afetam o bem estar psíquico do trabalhador, gerando o desassossego.
Muitas são as facetas do Assédio Moral no ambiente de trabalho e que dão pano para inúmeras discussões em diversos planos (saúde, administrativo, jurídico). A ideia aqui, porém, é fazer um recorte para trazer o entendimento do órgão máximo do Poder Judiciário, em matéria infraconstitucional, a respeito da responsabilização do servidor que pratica o assédio.
Ou seja, quais as consequências e eventuais punições às quais o servidor público infrator poderá ser submetido? Obviamente, desde que comprovada a prática do Assédio Moral. Ressalvando-se que o objetivo da nota é somente fomentar o debate, na tentativa de informar o servidor dos riscos que envolvem a prática do assédio, no relacionamento funcional com a instituição pública.
Antes, porém, é preciso pontuar que a conduta condenável relativa ao Assédio Moral ainda não tem prescrição legislativa específica. Não há norma tipificando o assédio como conduta reprovável e cominando pena ao servidor. Discute-se no Congresso Nacional o Projeto de Lei oriundo do Senado Federal sob número 121/2009, prescrevendo conduta proibida ao servidor de “coagir moralmente subordinado, através de atos ou expressões reiteradas que tenham por objetivo atingir a sua dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica”.
Ainda que a redação seja passível de inúmeras críticas pela vagueza e limitação, daria um primeiro passo para enquadrar o assédio como ilícito administrativo. De qualquer sorte, o Superior Tribunal de Justiça resolveu enquadrar o assédio, para fins de punição, ao ilícito civil previsto na Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92, art. 11), combinado com o artigo 132, inciso IV, da Lei 8.112/90. O entendimento jurisprudencial está destacado no julgado da 2ª Turma daquela Corte. Trata-se do Recurso Especial 1.286.466, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, julgado em 03/09/2013. O STJ, em decisão unânime, considerou o Assédio Moral como ato de improbidade, sancionável pela via da ação civil pública movida pelo Ministério Público. Vale a ilustração da seguinte passagem da decisão citada:
“…é incontroverso nos autos, inclusive com confissão do próprio acusado, ter o réu, na qualidade de Prefeito, imposto à funcionária pública municipal (…)”castigo”, ao afastá-la de suas funções e obrigando-a a permanecer três dias na sala de reuniões da Prefeitura em junho de 2001. Também restou comprovado os motivos determinantes de sua conduta: sentimento de vingança, em razão da referida servidora ter denunciado ao Ministério Público a existência de dívida do Município com o Fundo de Aposentadoria dos Servidores Públicos. Os fatos se tornaram públicos e amplamente noticiados na mídia local. A meu sentir, estamos diante de caso clássico de assédio moral, agravado por motivo torpe. O assédio moral, mais do que apenas provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é uma campanha de terror psicológico, com o objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada. O indivíduo-alvo é submetido a difamação, abuso verbal, comportamento agressivo e tratamento frio e impessoal. Esses elementos, se não todos, estão presentes na hipótese.”
Quanto à aplicação da lei da improbidade administrativa, a Ministra Relatora foi categórica na consideração do dolo genérico como suficiente para condenação do infrator, aplicando-se o artigo 11 da Lei da Improbidade, in verbis:
“A questão é saber se o art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa também abrange atos como o presente, configuradores de assédio moral. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública todos os agentes que demonstrem pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida. A partir dessas premissas, não tenho dúvida de que comportamentos como o presente, enquadram-se em ‘atos atentatórios aos princípios da administração pública’, pois ‘violam os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições’, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém.”
De modo que, ainda que se possa advogar pela necessidade de regulamentação específica a respeito do tema, dando segurança jurídica aos atores envolvidos e respeitando os princípios constitucionais do direito sancionador, a decisão do STJ acaba por afastar uma lacuna no que concerne à possibilidade de aplicação de pena ao servidor que pratica o assédio, o que deve ser levado em conta por todos aqueles submetidos aos estatutos referidos.
Texto da assessoria jurídica SINTUFSC.
