“Agora Assis não é apenas de sua família, é um patrimônio do mundo”. As palavras do padre Vilson Groh durante a celebração em memória de José de Assis Filho trouxeram sua figura lutadora à presença de companheiros que vieram ao Sintufsc na inauguração do auditório que agora leva o nome de um dos trabalhadores que mais amou seu sindicato.
Nesse 17 de março, que marcou um ano da morte de Assis, os trabalhadores manifestaram seu reconhecimento a ele e outros companheiros que também ofereceram seus braços na luta pela causa da vida. Padre Vilson lembrou a importância de pessoas como Assis em um mundo em que o privado toma conta de quase todo espaço público e que a vida vai se “coisificando” em relações mercadológicas ou teóricas.
“Porque, a academia, se não estiver enraizada na realidade, não passa de esquizofrenia.” Através da memória, cujo fio foi sendo puxando na manhã de 17 de março, no agora Auditório José de Assis Filho, do Sintufsc, emergiu a história de Assis, suas idéias, sentimentos, olhar de mundo. Padre Vilson ressaltou a centralidade da justiça na vida e na prática de Assis. “Ele sempre teve isso à frente de sua ação, pois compreendia que a violência não é a raiz, mas é conseqüência estrutural de um sistema violento.” Por isso, não basta lembrar e exaltar a figura da Assis, avisa padre Vilson. É preciso não perder o olhar de Assis na luta pela justiça social. É preciso recuperar a centralidade da luta, como ele fazia.
Não perder a utopia, o sonho, a esperança. Viver tendo presente a dimensão da beleza e saber que a vida e a luta passam pela vivência da generosidade. “E o Assis ensina a não perder a relação com cada pessoa humana, que não é número, não é cifra. Toda hora que se ouve dizer que X% da gente desse país não come, vive sem terra, se perde totalmente a dimensão da humanidade do ser. E cada ser é um dom.”
Com Assis, como lembra o sacerdote, aprendemos que se não nos indignarmos com a realidade, estamos adormecidos. “Ao pobre só pensamos em dar coisas velhas: roupas velhas, brinquedos velhos, computadores que já não servem mais. Mas o mundo empobrecido tem é que ter tecnologia de ponta, compartilhar o conhecimento”.
E o ideal de Assis trazia essa outra dimensão de mundo, daí a importância de contar sua história, lembrar seu papel. Recordando, como diz padre Vilson, que ele era um ser subversivo. “Que é uma belíssima palavra para definir uma pessoa. Porque o subversivo subverte a ordem injusta e entrega sua vida a esse sonho”.
Ressurreição
Por tudo o que representa para o mundo, padre Vilson fala que é preciso ressuscitar Assis e toda a legião de nossos mortos lutadores. E essa ressurreição, significa recuperar, dentro do movimento da vida, suas idéias e práticas. “Assis sempre ressuscita na caminhada de luta, na cultura da vida, se somos fiéis à continuidade da luta, porque através de nós, de nossa prática, ele caminha no nosso meio, vive entre nós.
Se não, o que fazemos aqui, não passa de celebração. Precisamos, como na eucaristia, comer as idéias do mestre, daquele que foi subversivo porque subverteu a ordem injusta.” Padre Vilson lembra que os nossos mortos vivem em nós. Porque o corpo, que é a casa do ser, morre, mas o ser vive. E lembrou dom Oscar Romero, que disse, antes de morrer assassinado: Sei que vou morrer, mas ressuscitarei na luta de meu povo.
E a luta do povo na América Latina, como lembra o sacerdote, ganha força e se esparrama por todo o continente. Ao assinalar esse olhar de vida, o sacerdote, diante de um auditório emocionado, trouxe à tona a legião de nossos mortos, os que lutaram e vivem em nós, que lutamos, no movimento da vida. E nesse tempo de durezas, em que se criminaliza os lutadores como “gente bandida”, padre Vilson lembra que “é preciso cuidar amorosamente de nossos lutadores, de nossos cuidadores. Porque nós somos gente, não somos peças de engrenagem”.
E Assis, que também foi criminalizado em processo na universidade e inquérito na polícia federal, por causa de sua luta, sabia muito bem disso. Porque era um educador de humanas gentes e um cuidador afetuoso que nunca perdia de vista as fragilidades do gênero humano. Enaura Graciosa, presente na hora da celebração, no novo auditório, deu um depoimento emocionado, que confirma esse cuidado que Assis tinha com o ser humano, em todas as suas idades.
Um dia, Enaura conta, ela lhe confessou que iria deixar o sindicato, porque estava cansada de lutar pelos aposentados, sem ver as coisas mudarem. Ele a convenceu a ficar e, em uma plenária de trabalhadores, levantou a sua voz para lembrar que aposentado não é inativo. Ele disse: aposentado também é gente. Por isso tudo é que agora Assis dá nome a um lugar que acolhe o movimento da vida, o livre debate da idéias.
Um canto da casa dos trabalhadores da UFSC, onde as pessoas podem se encontrar para pensar e decidir como dar movimento à vida que segue e precisa de lutadores, que, como Assis, insuflam luz no mundo.
