Combate às fraudes: TCU quer evitar que universidades joguem recursos pelo ralo
A enxurrada de irregularidades na gestão do dinheiro público que inunda a execução de contratos e convênios firmados entre Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes), onde são incluídas as universidades, e as fundações de apoio à pesquisa, levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a iniciar uma verdadeira ofensiva para tentar reduzir as fraudes. Depois de realizar auditorias em mais de 460 convênios firmados em pelo menos 14 estados e constatar crimes que vão desde contratações sem licitação até os mais graves desvios de finalidade, os ministros decidiram endurecer o discurso e obrigar o Ministério da Educação a editar uma norma regulamentando as relações entre as entidades, impondo uma série de restrições e regras às parcerias.
No acórdão publicado na última sexta-feira, o TCU não apenas estipula o prazo de 180 dias para que o ministério conclua a norma, como também lista cerca de 40 regras que devem constar no documento do Executivo. A orientação com ares de normatização feita pelo tribunal destaca proibições que deveriam parecer óbvias para os que administram recursos públicos, mas que foram “esquecidas” pelos gestores. Os ministros afirmam, por exemplo, que é preciso obedecer a princípios básicos da administração pública como o da publicidade, que exige a divulgação de todos os atos praticados pelas entidades. O tribunal foi além e determinou que a publicação dos dados inclua detalhes sobre os valores financeiros recebidos e administrados no contrato firmado entre as universidades e as fundações.
Outras proibições impostas podem influenciar diretamente na forma como atuam essas fundações. Isso porque na lista de determinações do tribunal está a limitação dos convênios que não beneficiam diretamente a qualidade do ensino fornecido pela universidade. Ou seja, parcerias que custam fortunas aos cofres públicos e que não rendem resultados para as instituições nas avaliações realizadas pelo Ministério da Educação não serão mais ser efetivadas. Na prática, isso quer dizer que as fundações não podem mais receber das universidades a responsabilidade de executar serviços como manutenção predial, obras de infra-estrutura, conservação, limpeza, vigilância, serviços de informática e fornecimento de mão-de-obra terceirizada. “As fundações devem se limitar apenas ao desenvolvimento da pesquisa, que é sua função primordial. As demais funções resultavam de um desvio que não pode mais ser permitido”, ressalta o relator do assunto na Corte, ministro Aroldo Cedraz.
Para tentar diminuir as fraudes que envolvem dispensa de licitação, o TCU proibiu as fundações de apoio de subcontratar outros órgãos, atuando apenas como intermediadoras dos contratos.
Irregularidades
Técnicos do tribunal auditaram os convênios entre universidades federais e fundações de apoio à pesquisa nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rio, Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Roraima, Amazonas e Acre. As fundações foram selecionas porque juntas movimentaram praticamente 84% do total de recursos que circularam por meio de parcerias com universidades. Em todas elas, as irregularidades encontradas foram semelhantes e se repetiam: desvio de função, contratação sem licitação, utilização das fundações para intermediar a contratação de serviços e aquisição de bens, além do uso de recursos públicos para a formação ou incremento de patrimônio das fundações. “As irregularidades constatadas já haviam sido praticadas por outras instituições. Quanto a isso não houve novidades. Por conta dessa repetição é que o tribunal avançou e, em parceria com o Executivo, quer normatizar esse setor. A intenção é evitar que essas falhas voltem a acontecer”, comenta Cedraz.
O Ministério da Educação afirmou que ainda não foi oficialmente informado sobre o acórdão do TCU, mas garante que a assessoria jurídica vai trabalhar para editar a norma de acordo com as observações da Corte.
Mordomias e muito luxo
A desconfiança em torno das relações entre instituições federais e fundações começou em fevereiro deste ano, quando o Ministério Público Federal denunciou a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), vinculada à Universidade de Brasília (UnB), por desvio de finalidade e realização de gastos incompatíveis com suas atividades. O ápice das irregularidades citado pelos promotores foi o gasto de R$ 470 mil com a decoração do apartamento do então reitor da UnB, Timothy Mulholland, que também recebeu da fundação um carro de luxo. As denúncias resultaram no afastamento do reitor e de cinco diretores da Finatec.
Ao constatar as irregularidades cometidas pela fundação de Brasília e a atuação da entidade em áreas como consultorias e prestação de serviços — que se desviavam do objetivo de desenvolvimento tecnológico para o qual foi criada — o TCU iniciou em abril um processo de Fiscalização de Orientação Centralizada. O estudo envolveu técnicos do órgão e realizou auditorias em mais de 400 universidades e fundações por todo o país.
Regulamentação
O TCU determinou que o Ministério da Educação edite, em 180 dias, uma norma que regulamente o relacionamento das instituições federais de ensino superior (Ifes) e suas fundações de apoio. O regulamento terá de prever algumas restrições às relações entre as entidades. Veja quais são as principais delas:
• As contratações de fundações pelas Ifes terão de levar em conta a relevância do projeto para a melhoria da eficiência do ensino. Dessa forma, ficam proibidos contratos que visem manutenção predial, obras de infra-estrutura, conservação, limpeza, vigilância, serviços de informática etc
• As fundações de apoio ficam proibidas de subcontratar outros órgãos para realizar trabalhos para os quais foram contratadas. O TCU entende que as subcontratações permitem o surgimento de cadeias irregulares de fraudes utilizando o instrumento de dispensa de licitação
• As Ifes terão de divulgar em redes de informação dados sobre seu relacionamento com fundações de apoio, incluindo detalhes referentes aos valores financeiros gerenciados em parceria
• Tanto as universidades e demais instituições federais quanto as fundações de apoio terão de dar publicidade a todos os projetos, planos de trabalho e seleções para a concessão de bolsas de pesquisa
• As instituições terão de possuir um teto máximo de valores de bolsas de ensino, pesquisa e extensão para servidores envolvidos em projetos. Esses valores terão de ter como referência a quantia paga por outras entidades que também financiam pesquisas
• As universidades e demais instituições federais terão de estabelecer com as fundações de apoio contratos com contas bancárias individualizadas para cada convênio firmado, estando impedidas de efetuar aditivos para cobrir as despesas desses projetos
• As instituições federais ficam proibidas de transferir diretamente para as fundações de apoio os recursos oriundos do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), já que o programa prevê a exigência de processos licitatórios
Fonte: Correio Braziliense