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Jornadas Bolivarianas

05/04/2011

Jornadas Bolivarianas

Diante do imperialismo, como árvores
Por Raquel Moysés – jornalista

Há sete anos o seminário internacional Jornadas Bolivarianas traz para a capital catarinense reconhecidos pensadores do Brasil e de outros países. O evento, que se consolida como espaço relevante na vida intelectual e comunitária da Universidade Federal de Santa Catarina e da cidade, repercutindo no país e no exterior, começou segunda-feira, 4 de abril, no Auditório da Reitoria da UFSC, e se estende até o dia 7, quinta-feira . Nesta sétima edição das Jornadas, promovidas pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA/UFSC), o tema discutido é Imperialismo e Cultura na América Latina, com duas grandes conferências diárias.

Na abertura o conferencista foi o cubano Fernando Rojas, vice-ministro da Cultura da nação caribenha, que abordou, para um auditório repleto, o tema “Cuba: do experimento neocolonial à liderança antiimperialista”. Nesta terça-feira, às 9 horas, a conferência é de Rafael Cuevas Molina, da Costa Rica, que fala sobre “O imperialismo na América Central. À tarde, autores de estudos sobre a temática das Jornadas apresentam seus trabalhos selecionados, a partir das 14h30min. À noite, a partir das 18h30mi fala a socióloga aymara, Silva Cusicanqui, da Bolívia. Na quarta-feira, os conferencistas convidados são o cineasta brasileiro Sérgio Santeiro e um dos criadores da Telesur, Aram Aharonian.

As Jornadas estão sendo transmitidas ao vivo (mms://tvled.egc.ufsc.br/aovivo)

Livres de modismos

Debates desafiadores caracterizam as Jornadas Bolivarianas, pois, como lembra Waldir Rampinelli, professor de História e presidente do IELA, elas têm trazido para dentro da universidade brasileira temas que já não são mais moda no mundo acadêmico e que, possivelmente, raramente aparecem nas discussões das universidades do chamado eixo Rio/São Paulo, embora frequentes em importantes universidades latino-americanas. Este é um dos motivos de as Jornadas representarem hoje um espaço de discussão teórica com importância nacional e internacional. Elas trouxeram para a cena intelectual e teórica nestes sete anos temas frequentemente desprezados pela academia, como nacionalismo, socialismo, a política imperialista estadunidense, teoria social e eurocentrismo, a crise das ciências sociais, bolivarianismo e poder popular.

Sobre o tema desta sétima edição das Jornadas, Rampinelli lembra que trata de realidades atinentes desde a chegada dos europeus à América, que vieram trazendo a espada, que é a força bruta, e a cruz, que é ideologia imposta. “O intuito dos que aqui chegaram sempre foi o de dominação completa, o que poderíamos chamar de colonialismo imperialista cultural. E quem resume isso muito bem é Pablo Neruda, ao dizer: ‘A espada, a cruz e a fome iam dizimando a família selvagem’”.

Todavia, a luta e a resistência ao colonialismo imperialista cultural começou já quando Colombo fincou a bota na América. “Tanto é que o primeiro levante indígena contra isso foi comandado por um cacique indígena chamado Enriquillo, na ilha Hispaniola, hoje Haiti e República Dominicana”, explica Rampinelli. Este levante, em forma de guerrilha nas montanhas, que durou décadas, já era expressão da luta contra o colonialismo imperialista cultural. “Só que os lutadores foram atraídos pelos conquistadores com a promessa de um pacto e foram todos liquidados,” recorda o historiador.

O fato é que os povos originários se insurgiram contra os colonizadores desde o início da conquista violenta. Escravizados e subjugados, eles se opunham principalmente de duas maneiras, comenta Rampinelli. Primeiro, através da ação educativa das mães e dos velhos, que contavam às crianças a história de seu povo, seus usos, costumes sua luta e resistência. A segunda forma de enfrentar os opressores era a negação ao trabalho, um modo de resistência que levou os invasores a chamarem os “indígenas” das Américas de “vadios e preguiçosos”.

Rampinelli destaca ainda a grande resistência cultural protagonizada pelos negros escravizados, que também se rebelaram e utilizaram a ação educativa para não permitir que seus meninos e meninas esquecessem a própria história. No Brasil, por exemplo, os povos africanos escravizados se embrenharam em locais de difícil acesso, criando os quilombos, onde podiam preservar seus saberes, sua cultura, economia, usos e costumes. Esses refúgios remotos nas matas e montanhas formaram aldeias em que os negros, feitos pela própria luta homens e mulheres livres, praticavam uma economia de subsistência e até o comércio. Entre os que mais prosperaram, o mítico quilombo dos Palmares, em Alagoas, durou quase um século.

Antiimperialistas na história

Povos e homens foram fundamentais no processo de resistência e luta dos povos latino-americanos. E um desses homens – Simón Bolívar – inspira o nome das Jornadas Bolivarianas. O Libertador, cognome que imortaliza Bolívar na história,, lutava pela concretização da Pátria Grande, a unidade latino-americana para enfrentar o imperialismo inglês e o estadunidense, que ele já previa nos anos das guerras de independência da América espanhola. O sonho de Bolívar, ao conceber a Pátria Grande, era de poder enfrentar em pé de igualdade a Inglaterra e não permitir que os Estados Unidos, que já despontavam como uma potência no início do século XIX, fincassem garras no continente e tomassem conta da América Latina.

Na segunda metade do século 19, Rampinelli destaca a figura de José Martí, possivelmente quem mais teorizou, até então, sobre a questão luta antiimperialista e que preconizou, como Bolívar, o internacionalismo. “Ele defendia a tese de que a América fosse para a humanidade e não subjugada pelas potências, dizendo que devíamos ser como árvores, para impedir a passagem do gigante de sete léguas, leia-se Estados Unidos.”

Martí, advertia, em 1891, no seu emblemático texto “Nuestra América”: Ya no podemos ser el pueblo de hojas, que vive en el aire, con la copa cargada de flor, restallando o zumbando, según la acaricie el capricho de la luz, o la tundan y talen las tempestades; ¡los árboles se han de poner en fila para que no pase el gigante de las siete legua! Es la hora del recuento, y de la marcha unida, y hemos de andar en cuadro apretado, como la plata en las raíces de los Andes.

Ao falar em anti-imperialismo assoma também a figura do cubano Julio Antonio Mella, fundador da Liga Antiimperialista das Américas, líder do movimento estudantil e revolucionário nas lutas das organizações operárias e estudantis contra o imperialismo estadunidense. Rampinelli destaca ainda Che Guevara, que defendia a tese de que seriam precisos um dois ou três Vietnãs para derrotar o imperialismo. José Carlos Mariátegui, socialista antiimperialista, é outro intelectual importante neste cenário de pensadores libertários antiimperialistas. O intelectual peruano afirmava que, para existirem nações na América Latina, seria preciso enfrentar o imperialismo, mas também a oligarquia e a burguesia latino-americana, sócias menores do imperialismo.

Na atualidade, diz Rampinelli, é preciso não esquecer quem mais enfrentou o imperialismo estadunidense,inclusive vencendo-o militarmente, na invasão da Baía dos Porcos. “E o caminho consistente que Fidel Castro encontrou na luta antiimperialista foi o socialismo, com raízes cubanas. É por isso ele se declara marxista- leninista-martiano.”

Rampineli ressalta a importância de se discutir o imperialismo cultural no ambiente universitário, lembrando que este fenômeno atinge de modo preocupante as crianças, adolescentes e jovens, por meio, principalmente, da mídia, de jogos de computador, história em quadrinhos, cinema hollywoodiano, Disneylandia e seus correlatos. “E por meio da tecnologia, por exemplo, que se vende um modo de ser estadunidense e europeu, que se apossa de cabeças e corações. E é dessa forma que a realidade deles, que é caótica, acaba sendo imposta como a ‘verdadeira civilização’”.

A universidade, predominantemente, também é uma repetidora do imperialismo cultural, diante do qual se esfuma a crítica e certos temas passam a ser vistos como fora de moda, quando não uma “heresia”. Mas enquanto uma certa intelectualidade despreza temas como o nacionalismo, países como os Estados Unidos atacam os nacionalistas, inclusive assessorados por intelectuais de direita. Rampinelli cita o documento de Santa Fé II, de 1988, que orientou a política externa do Departamento de Estado estadunidense, o qual afirmava que “o matrimônio do nacionalismo com o comunismo na América Latina representava o maior perigo para a região e para os interesses dos Estados Unidos.” Isso porque, diz o professor, “o nacionalismo enfrenta o imperialismo cultural.”

Esses temas e outros tantos vão aparecer nessas jornadas de abril do IELA. Elas contam com o apoio do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), Centro Sócio-Econômico (CSE), Secretaria de Cultura e Arte (Secarte), Departamento e Pós-Graduação em Serviço Social, Departamento e Pós em Ciências Econômicas, Pós-Graduação em História e Sinergia – Sindicato dos Eletricitários de Florianópolis e Região.

Confira a programação:
04 a 07 de abril de 2011
Florianópolis – Brasil
04 de abril de 2011
– Noite – Auditório da Reitoria – UFSC
18h30 – Abertura oficial das Jornadas Bolivarianas- 7ª edição
19h – Conferência – Cuba: do experimento neocolonial à liderança antiimperialista
Fernando Rojas – Cuba
Coordenação: Beatriz Paiva

05 de abril de 2011
– Manhã – Auditório da Reitoria – UFSC
9h – Conferência: O imperialismo na América Central
Rafael Cuevas Molina – Costa Rica
Coordenação: César Medeiros

– Tarde – Auditório da Reitoria – UFSC
14h30 – Apresentação de trabalhos
Coordenação: Vitor Hugo Tonin

– Noite – Auditório da Reitoria – UFSC
18h30 – Conferência: Imperialismo e cultura andina
Silvia Rivera Cusicanqui – Bolívia
Coordenação: Fernando Correa Prado

Lançamento do livro “O Mapa da Crise”, organizado por Nildo Ouriques e Elaine Tavares

06 de abril de 2011
– Manhã – Auditório da Reitoria – UFSC
9h – Conferência: O cinema latino-americano e a indústria cultural
Sérgio Santeiro – Brasil
Coordenação: Nildo Ouriques

– Tarde – Auditório do CCE
14h30 às 18h – Reprodução de filmes de Fernando “Pino” Solanas –

– Noite – Auditório da Reitoria – UFSC
18h30 – Conferência: A mídia e o Imperialismo
Aram Aharonian – Venezuela
Coordenação: Elaine Tavares

07 de abril de 2011
– Manhã – Auditório da Reitoria – UFSC
9h – Mesa redonda: Imperialismo e cultura na América Latina
Aram Aharonian, Fernando Rojas, Rafael Cuevas Molina, Sérgio Santeiro e Nildo Ouriques
Coordenação: Waldir José Rampinelli

– Tarde – Auditório do CSE – UFSC e Hall da Reitoria
14h30 às 18h – Reprodução de filmes de Fernando “Pino” Solanas –

Noite
20h – Em frente à reitoria
Festa Latino-Americana

Outras informações no IELA/UFSC (www.iela.ufsc.br). Telefone 3721-4938
Para entrevista com Waldir Rampinelli: 8823-1373

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