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SEM DIREITOS, GUARDA-VIDAS CIVIS LUTAM POR RESPEITO E DIGNIDADE

SEM DIREITOS, GUARDA-VIDAS CIVIS LUTAM POR RESPEITO E DIGNIDADE

guarda-vidas
Do alto do cadeirão, cerca de dois metros e meio acima da areia, um dos dois guarda-vidas civis responsáveis pela área identificou o incidente que ocorria a mais ou menos 700 metros de distância. A dupla de guardas partiu em disparada para o salvamento com nadadeiras e “life belts” nas mãos.
Com a ajuda de um colega que estava de folga e um ex-guarda-vidas que também frequenta o local, eles conseguiram resgatar três garotas que foram arrastadas para longe da faixa de areia por uma corrente de retorno, prevenindo os afogamentos.
Contente com o resultado da operação, um dos guarda-vidas olha para o outro com um sorriso no rosto. Mas a alegria do dever cumprido dá lugar à preocupação quando ele percebe que o colega está passando mal porque acabou de almoçar e não teve tempo de digerir os alimentos antes do salvamento.
O apoio aéreo é acionado, desta vez para socorrer um membro da equipe responsável pela segurança dos banhistas da praia. O atendimento é feito pelos paramédicos do helicóptero e o guarda-vidas é levado de ambulância até a unidade de pronto atendimento mais próxima.
Ao contar essa história, que aconteceu em uma das praias do sul da Ilha, ainda na pré-temporada, entre outubro e novembro deste ano, o guarda-vidas Bino* se emociona só de imaginar que poderia ter perdido mais do que um colega de trabalho, o que não seria pouco.
Mas Bino poderia também ter perdido o companheiro de biathlon, o parceiro de travessias entre o Pântano do Sul e a praia dos Açores, o amigo que dá conselhos e que divide experiências, o irmão do dia-a-dia sob o sol forte dos últimos cinco verões.
O cinema passa a imagem de que o guarda-vidas tem um dos melhores empregos que existem. Filmes e séries dão a entender que o profissional do salvamento aquático cumpre o expediente de bermuda e camiseta curtindo a brisa do mar que vem para refrescar o calor do sol que brilha alto.
Mas a verdade é que os guarda-vidas não têm direitos trabalhistas e o salvamento aquático no Brasil opera predominantemente com voluntários que são submetidos cotidianamente à situações limite divididas entre a adrenalina do salvamento e a frustração da perda.
De acordo com Bino, em Santa Catarina, os guarda-vidas recebem uma diária de R$150,00 por 12 horas de trabalho e nada mais. Sem salário fixo, FGTS, INSS, férias, hora-extra, décimo terceiro, seguro desemprego, acompanhamento médico e psicológico ou qualquer outro benefício, quem cuida de todos na praia, não tem garantias básicas de sobrevivência.
Hoje, para ser guarda-vidas no Estado é preciso fazer um curso não remunerado de 30 dias oferecido pelo Corpo de Bombeiros Militar e passar por um processo de seleção que exige 500 metros de natação em menos de 12 minutos e um quilômetro e meio de corrida em menos de sete. Depois disso, acontece uma “recertificação” anual que além da corrida e da natação, também traz provas de apnéia dinâmica, de recuperação de anilha e de recuperação de afogados.
Quanto melhor a classificação, maior a chance de ficar na praia escolhida, de começar a trabalhar mais cedo, de pegar uma escala com mais dias e até de trabalhar fora do verão, quando o contingente diminuiu sensivelmente.
A carga de trabalho também pode ser imprevisível, Bino, por exemplo, já trabalhou 28 dias em um mês e quatro dias em outro, recebendo as diárias equivalentes em cada período. Já nos dias de chuva, o guarda-vidas é liberado mais cedo e recebe apenas meia diária.
É importante destacar que antes do salvamento, o grupo de guarda-vidas atua permanentemente na prevenção dos afogamentos colocando as bandeiras que indicam os pontos de corrente de retorno, conversando com banhistas, orientando surfistas e retirando as pessoas das áreas mais perigosas.
Ainda segundo Bino, Florianópolis tem atualmente cerca de 370 guarda-vidas que são supervisionados e acompanhados por algo em torno de 30 bombeiros militares. Alguns sofrem perseguição por estarem à frente da luta organizada por meio da Associação dos Salva-Vidas da Ilha de Santa Catarina (ASVISC).
Depois de entrar para a Associação e participar de algumas manifestações, Bino sofreu retaliações. Mesmo sem ter um único incidente disciplinar desde de que terminou o curso há quatro anos, foi desligado do serviço e obrigado a devolver o uniforme.
Quando necessário, os guarda-vidas envolvidos em algum incidente de trabalho apresentam sua versão dos fatos por meio de uma Ficha de Apuração de Conduta que pode gerar o arquivamento do processo, uma advertência, uma suspensão por número de dias determinado ou a exclusão do serviço.
Apesar de ter negado qualquer participação no vazamento do vídeo sobre um salvamento para um jornal local, Bino foi afastado sem qualquer prova. Na avaliação dos superiores dele, o vídeo teria difamado a imagem do Corpo de Bombeiros Militar. Se a decisão não for revista, Bino só poderá voltar a atuar como guarda-vidas depois de refazer o curso e passar novamente pela seleção, até lá, não recebe um tostão.
A situação dos guarda-vidas se agravou ainda mais com a pandemia. Não há garantia alguma para quem contrair o coronavírus durante o trabalho. O resultado de tanta precarização é o aumento da mobilização da categoria que, historicamente, não tem conseguido mais que o reajuste da diária.
“Em 2014, os guarda-vidas se mobilizaram e foi para 125 reais. Em 2016 os guarda-vidas se mobilizaram e foram de 125 para 150. E desde então não teve outro aumento. Agora, dia primeiro de janeiro, está programado para ir de 150 para 180 reais. Na minha leitura e de outros guarda-vidas, esse valor que eles aumentam é como se fosse um ‘cala boca’. Olha, vocês estão reclamando, nós vamos aumentar o valor que vocês recebem por dia. Só que isso não resolve nenhum problema concreto porque não garante direitos trabalhistas.”
Mas Bino não desiste e lembra o que fez ele, aos 18 anos de idade, procurar o curso de salvamento aquático para se tornar guarda-vida: o amor pela comunidade, o respeito pela natureza e a vontade de cuidar das pessoas.
“Uma vez que eu estou na praia e estou cuidando das pessoas, as pessoas também precisam saber das minhas reais condições porque não tem nada heróico a gente trabalhar 12 horas num posto sem intervalo de almoço. Muitas vezes em um posto precário sem água potável, sem eletricidade, para receber uma diária. Então eu acredito que a gente pode mais e deve mais. Florianópolis é um lugar conhecido internacionalmente pelo turismo, pelas praias, e ao mesmo tempo a gente tem uma forma tão precária de contratar os guarda-vidas.”
*O nome fictício Bino foi utilizado para preservar o entrevistado de possíveis retaliações. Bino é o nome que os Guarda-Vidas usam para designar o binóculo, companheiro inseparável que auxilia na vigia da orla.

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