Nos dias 5, 6 e 7 de março o Mucap – Movimento Unificado Contra as Privatizações realizou um seminário em Florianópolis. No dia 5 trabalhadores, estudantes e militantes dos movimentos sociais fizeram uma avaliação e o planejamento do movimento. Durante as falas, os militantes relembraram a história do Mucap e destacaram sua importância para a união do movimento sindical e popular. Ficou decidido que neste primeiro semestre do ano o Mucap vai concentrar toda a força para o trabalho de coleta de assinaturas para ser apresentado um projeto de lei, de iniciativa popular, que visa revogar uma lei estadual que cria as OS – Organizações Sociais, já responsáveis por estragos em Santa Catarina, com a privatização do Hemosc e Cepon.
Sistema porcalhão
No dia 6 aconteceu a discussão sobre Transporte Público, com Lúcio Gregório, que foi secretário de transporte da gestão da prefeita Luisa Erondina, em São Paulo; Deonísio Linder, diretor do Sintraturb – Sindicato dos Trabalhadores em Transporte da Grande Florianópolis e Vitor Calejon, do MPL – Movimento Passe Livre. Lúcio Gregório foi o autor do projeto “Tarifa Zero” e o da “Municipalização” do transporte na cidade de São Paulo, durante a gestão de Luisa Erondina. Ele começou sua intervenção afirmando que o sistema de transporte público no Brasil é “porcalhão”, porque “os ônibus são horríveis e o preço das tarifas é exorbitante”. Ele defende a “gratuidade” no sistema de transporte, o que significa que o passageiro não precisaria pagar no ato da utilização do transporte coletivo. Os custos com o transporte estariam diluídos nos impostos, assim como os dos outros sistemas de atendimento à população, como saúde e educação.
Tarifa zero
Gregório diz que essa não é uma tarefa fácil e que seria necessário fazer uma reforma tributária e um árduo trabalho de convencimento da população. O primeiro passo seria acabar com a concessão no serviço público de transporte, que, para ele, é uma “furada”. Ele explicou que a “municipalização” do transporte funcionaria da seguinte maneira. A prefeitura fecharia um contrato com as empresas de ônibus, pagaria pelo serviço, e ela mesmo cobraria dos usuários. Dessa maneira, seria através de processo de licitação, como tudo o que feito pelo poder público. Assim, Gregório acredita que a prefeitura poderia estabelecer preços mais justos, subsidiar uma parte dos custos com o transporte e oferecer um sistema melhor para a população, pois não estaria visando o lucro como os empresários do transporte. “Não podemos tratar a questão do transporte público como um negócio, se não o problema nunca será resolvido”. Depois disso, o próximo passo seria lutar pela “Tarifa Zero”, que constituiria o subsidio total da tarifa do transporte pelo poder público. Para ele, já existem condições e dinheiro para que isso seja feito. “Onde?” Ele mesmo pergunta e reponde: “É só pegar os bilhões que o governo deixa de arrecadar através da renúncia fiscal, desconto de dívidas do INSS e isenções tributárias”. Ele chama a atenção: “Essa história de que não existe dinheiro é conversa mole”.
Correr atrás
Deonisio Linder, diretor do Sintraturb, diz que os trabalhadores do transporte coletivo de Florianópolis também defendem a “Tarifa Zero” e lutam para a melhoria do sistema de transporte na cidade. Ele confirma que a luta é muito difícil e complicada. “São seis mil trabalhadores na base, e na direção do sindicato estamos em cinco para tocar a luta”, reclama. Deonisio relata que a relação de trabalho com os empresários é “péssima”. Constantemente eles atrasam pagamentos e deixam de pagar os vales. “Daí temos que ficar correndo atrás para resolver”, desabafa. Vitor Calejon, do MPL, afirma que a discussão sobre transporte público é “política e não técnica”. Chama a atenção para o fato de que Florianópolis está vivendo um momento político estratégico para se levantar essa discussão, pois os contratos com as empresas que exploram o transporte na cidade venceram e está para ser decidido se eles permanecem por mais dez anos ou não.
Agenda de luta
No final das discussões, Lúcio Gregório sugeriu uma agenda de luta: criar um Conselho Municipal de Tarifa, com representantes dos movimentos sociais, sindicatos, universidade, etc; fazer uma planilha de custos do transporte; instituir uma nova modalidade de contratação que acabe com a concessão; criar o bilhete único, integrado; construir faixas exclusivas para ônibus na cidade; que a prefeitura subsidie em parte ou totalmente os gastos com transporte, tendo a gratuidade como horizonte.
Balcão de negócios
No dia 7 de março, sábado, o seminário do Mucap discutiu Organizações Sociais e Privatizações, com Sara Granemann, professora da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Sara demonstrou em sua exposição que a previdência no Brasil possui superávit, ou seja, arrecada mais do que gasta, desmentido, assim, o argumento do governo de que existe um “rombo na previdência”. A professora apresentou dados publicados pelo próprio governo e chama atenção para o fato de que desde o último mandado de Fernando Henrique, em 2002, até agora, o governo não tem mais divulgado oficialmente esses dados. Ela explicou que tudo o que é arrecadado teria que ser gasto exclusivamente com a previdência social, mas isso não acontece. Grande parte da verba é desviada, ou destinada para outras coisas, através da DRU – Desvinculação de Receitas da União. Dessa forma o governo não precisa dizer onde o dinheiro será gasto e uma das maneiras de utilizá-lo é através das organizações sociais, fundações e parcerias público privadas. Sara Granemann diz que a Emenda Constitucional 19, de 1998, é que deu o gancho para esse tipo de parcerias, pois definiu atividades que são e que não são exclusivas do Estado. Para ela isso “abriu o balcão de negócios financiados com recursos públicos”. No primeiro mandato FHC criou a lei (Emenda19), mas não a implementou. Depois, já no governo Lula, foram criadas as PPS – Parcerias Público-Privadas e as Fundações Estatais de Direito Privado. Conforme Sara, são “formas de legalizar a apropriação de recursos públicos”.
Transações
A professora acredita que o próximo passo seria a contra reforma do Estado, que significa a apropriação de tudo o que ainda resta de fundos públicos no país. Ela explica que o “privado” que aparece nas OS – Organizações Sociais, Fundações Estatais e Oscips, – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, significa que “não existe controle social”. Ou seja, não pode ser fiscalizado pelo Ministério Público, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União. Dessa maneira o governo argumenta que esses regimes jurídicos agilizam a administração, mas, na realidade, servem para que o dinheiro público seja apropriado e gasto sem controle do Estado. Para Sara Granemann as fundações, OSs e PPPs significam uma tragédia para o serviço público, pois transferem as ações sociais diretas, como saúde, educação, transporte, etc, para “transações privadas”. Quem mais sai prejudicado com isso são usuários e trabalhadores. A professora diz que o que está acontecendo é a precarização e o desmanche de todo o serviço público. Assim, as políticas sociais assumem uma outra forma e passam a acontecer de forma pífia, se resumindo apenas à questão monetária, através de bolsa escola, família, etc… Sara Granemann acredita que essa é a forma que o sistema encontrou para enfrentar a divida.
Movimentos de luta
O seminário do Mucap também discutiu Organizações Sociais em Santa Catarina: o exemplo do Hemosc e do Cepon, com Regina Rombaldi e Rita de Cássia Franz Vieira. As trabalhadoras relataram como está sendo a luta, que já dura três anos, em defesa do Hemosc e do Cepon. Afirmaram que o movimento luta pela manutenção do serviço público e de qualidade das instituições. Elas relembraram os diversos atos realizados pelo movimento e algumas das conquistas, como terem conseguido evitar que os funcionários públicos das instituições fossem cedidos à Fahece (fundação de apoio que administra o Hemosc e o Cepon). O movimento em defesa do Hemosc e Cepon coletou mais de 70 mil assinaturas contra a privatização das instituições.
